“… que é complicado beber 8 copos de água durante o dia, mas 8 copos de vinho à refeição já descem que é uma maravilha não é?”

Bucelas e vinhos andam de mãos dadas como o futebol e a justiça hoje em dia, não se fala de um sem falar do outro. Desde as inúmeras vinhas e caves às celebrações deste néctar, as referências vinícolas são várias. Mas tal como o leite não vem do pacote, o vinho também não vem da garrafa. Também não vem da pipa, isso é certo, mas neste caso é mesmo das pipas que vamos falar. E vamos falar de pipas porque em Bucelas existe um dos últimos tanoeiros na zona centro e sul do país. E obviamente que este desaparecimento dos tanoeiros não se deve a um decréscimo no consumo de vinho. Até porque as pessoas queixam-se ao seu médico que é complicado beber 8 copos de água durante o dia, mas 8 copos de vinho à refeição já descem que é uma maravilha não é?

Voltando ao que interessa, de seu nome José Quintão, “Zé Espiga” para os amigos, é um dos últimos a utilizar esta técnica manual nesta zona do país.

O nosso primeiro contacto com o Zé Espiga (sim, já somos amigos) foi o que se poderia esperar de um típico Bucelense: estranheza ao início de ver alguém desconhecido a entrar pela sua oficina a dentro e depois uma recepção calorosa com um sorriso rasgado.

“Claro que sim! Tirem fotografias à vontade e conto-vos tudo o que quiserem saber!”, disse-nos o mestre das pipas (esta fomos nós que inventámos) pouco tempo depois de nos conhecermos.

Bem, vamos a isso então…

Mas então, o que é um tanoeiro?

Arriscando-nos a sermos confundidos com uma página do Wikipédia, um tanoeiro é um artesão que constrói pipas de vinho através de técnicas manuais.

E já que estamos numa de informação, a tanoaria em Portugal teve o seu grande expoente na zona norte do país, ainda nas primeiras décadas do século passado, onde se crê que chegou aos 5000 trabalhadores e que operavam em maior número em Vila Nova de Gaia, devido à proximidade com as caves e, mais tarde, em Esmoriz. Com o aparecimento das indústrias mecanizadas este ofício começou a perder a sua força, restando hoje em dia muito poucas oficinas que ainda trabalhem manualmente.

Entrevista

"Zé Espiga"/ Tanoeiro

Celas: Há quanto tempo é Tanoeiro?

Zé Espiga: Ora bem, tudo começou com o meu pai e desde que era bebé que vinha para a oficina e comecei a aprender a função com o meu pai, e com um outro senhor que tinha esta oficina antes de ser trespassada em 1956, desde que me lembro. Depois voltei mais tarde a esta oficina por volta de 1983. Neste momento sou capaz de apostar que de Lisboa ao Algarve devo ser o único tanoeiro, apenas no norte é que a tradição ainda se mantém.

O Mestre

"Zé Espiga" e Celas

Celas: Mas ouvi dizer que também faz outras peças sem ser pipas…

Zé Espiga: Sempre tive um talento natural para este tipo de trabalho e tive a sorte de o meu pai não se chatear quando estragava material (risos) o que facilitava algumas experiências. Faço um pouco de tudo. Desde mesas a bancos até um berço já fiz.

Celas: Ui, esse sim foi um bebé feliz…

Pipas e Espigas

Celas: E o que significa o S?

Zé Espiga: O S é uma marca que o meu pai adquiriu quando ficou com esta oficina, que significa “Simplício”, e na altura os clientes da marca S passaram para o meu pai, mantendo a garantia e qualidade da marca que eu ainda hoje aplico nos trabalhos. E modéstia à parte, os meus barris são muito bem feitos.

Celas a atrapalhar

Celas: Então e se eu lhe pedisse para fazer um berço para mim, mas que estivesse cheio de vinho?

Zé Espiga: (Risos) É capaz de ser difícil mas posso fazer um buraco no barril para você respirar.

Celas: Amigo, acredite que difícil vai ser eu querer sair lá de dentro.

Preparação do interior

Celas: Ouvi dizer que as suas pipas têm mais garantia do que o prazo de validade de uma lata de atum.

Zé Espiga: (risos) É verdade. As minhas pipas têm sempre uma garantia de 10 anos. Era uma prática do tempo do meu pai que eu continuei.

Celas: Quando fez a primeira pipa e quanto tempo demora fazer uma pipa?

Zé Espiga: O tempo de produção de uma pipa é muito relativo mas será sempre à volta de 2 dias. Quando o meu pai era vivo, nos anos 50, havia mais ajudantes como os lavrantes e casqueiros de tanoaria, a preparação do barril podia levar uma hora pois as peças já chegavam preparadas. A minha primeira pipa não me lembro, mas era bem novo.

Inicio de criação da Pipa

Celas: Portanto é à confiança. E quanto tempo dura um barril?

 

Zé Espiga: É difícil dizer. Vai depender sempre da utilização. Se for utilizada exclusivamente para vinho e não estiver na rua vai durar muito mais tempo. E se estiver sempre cheia dura ainda mais e só precisa de uma manutenção de vez em quando. Agora se for para decoração a conversa já é outra.

Celas: Pois…e é mesmo assim que eu gosto de as ver. Cheias…

Celas: Imagino que nem todas as madeiras sirvam para as pipas.

Zé Espiga: Depende da utilização que se vai dar. Para o vinho o mais adequado é o carvalho. Para decoração agora está mais na moda as madeiras exóticas.

Celas: Ah isso de coisas exóticas é comigo…

Finalização da Pipa